Durante a semana, nem tive tempo de pensar muito no que ia acontecer, tal a ocupação profissional.
Mas como sempre também deixei rolar, para não começar a stressar.
Tinha decidido que só na própria 6ª feira ia tomar a decisão final.
No entanto, assaltavam-me muitas dúvidas acerca se estava a fazer o correto.
É que ninguém sabia, mas o sucesso ou insucesso destes 45 kms iam ser decisivos para a minha continuação nos trails, pois conforme acabasse tinha que perceber se valia a pena a dor e o sacrifício ou se pelo contrário tinha que perceber o meu limite.
Nisto a minha dama foi mesmo "psicóloga" e deu-me a reprimenda certa na altura certa.
O resto foi trabalho de casa e preparar fisicamente o que estava para vir, mas com descanso e calor, muito calor.
Chegada a 6ª feira, nem tive tempo de ir buscar o dorsal, mas consegui ir ao briefing e aí senti realmente o peso do que ia fazer. Dorsal nº 8. Que responsabilidade!!!
Entre os parabéns pela decisão de avançar, as caras cépticas, escondidas atrás de tentativas de disfarçar a surpresa e descrença desmascaradas pela humilde e sincera pergunta "Mas tu estás mesmo preparado?" e muito encorajamento e sinceros olhares de "Admiro a tua Loucura!!!", lá me fui capacitando que ia arrancar.
Jantar de Massa no Vitaminas com um Detox, porque nos Trail dos Morcegos e nos 33 do EPIC tinha dado certo e não vale a pena "mexer em equipa que vence", acompanhado pela Sónia Sousa, menina responsável por me ter metido nestas aventuras e que me deu um ensinamento fundamental para o que ia ser o sucesso destes 45 kms, quando um dia me disse:
"durante a prova ponho sempre o cronómetro para de meia em meia hora me avisar para comer alguma coisa"
A seguir a preparação normal do material, onde selecionamos coisas que parece que vamos acampar durante 3 semanas, mas a incerteza do que se possa apanhar em termos de variações térmicas com uma subida ao topo da Barrosa, mais uns assustadores 14 kms e tal, entre os 8 km do 1º posto de abastecimento e os 23 do 2º, ainda por cima sendo este último no cimo da Barrosa depois de estarmos sempre a subir e com o olho no relógio para não deitar tudo a perder passando a barreira horária das 4 horas 30, em total modo de autosubsistência física, alimentar e psicológica, a isto obrigam.
Certo é que na manhã do dia D há um conjunto de coisas que já fica em casa, numa decisão de última hora.
Ah, manhã do dia que com a ansiedade e dúvidas começou pelas 5 da manhã :D
Arranque no autocarro com 4 dos 7 "mais lindos".
Na Gorreana juntam-se os restantes.
E conversa daqui, conversa dali, brincadeira, revista, xixi e TÁ NA HORA!!!
Xiça Maluco, tudo a correr, pelo Chá acima!!!
(Acredito que muitos deixaram de gostar de chá só por aquela subida :D )
Mas por estranho que pareça, foi aqui o 1º sinal que poderia ser possível, pois no arranque não houve nenhum sinal das dores que haviam de vir.
Lá se foi seguindo sem grande desgaste e gerindo tudo com os bastões e a boa disposição.
O caminho era longo, duro, sempre a subir e aqui havia que ganhar tempo para a 1ª meta (8,45 km em 2 horas).
A partir desta última foto, foi praticamente uma corrida sozinho.
Sozinho, contra o percurso, contra o pensamento, contra o desespero, contra as dores.
Atingido o 1º objetivo, 8,45 kms em 1h 45. Boa!!! Siga.
Mas quando pensamos que está tudo bem, eis que 2 passos após sair do 1º abastecimento quando ia a passar perto de umas vacas, saltou-me ao caminho um monstro de um cão de fila a avançar e a ladrar tipo doido. Armei-me em Sérgio Soares voltei-me para ele, avancei e mandei-o para o pasto. Sabem que mais? O GAJO FOI!!!
Segui, mas com a preocupação de avisar quem vinha atrás para que tivesse cuidado com o bicho.
E aqui começou efectivamente a dureza, sem antes ter colocado uma fita no seu devido lugar porque tinha caído e ficava difícil saber para onde seguir.
Depois foi sofrer, fisicamente e psicologicamente, porque sabia que chegar aos 23,6 km no topo da Barrosa era o que ia definir o futuro. 4h 30? Seria possível? Tinha que ser, porque não sabia quais seriam os efeitos de outra desistência. Mas o corpo ia aguentar?
Atirei os pensamentos para trás das costas e segui o meu ritmo.
De meia em meia hora toca a meter alguma coisa na boca.
Tinha sempre na cabeça as palavras do Paulo Resendes "Esparrela":
"Comam antes de ter fome e bebam antes de ter sede".
Para além disto, no Ecologic os 23 kms foram a minha besta negra, também depois de um empeno para chegar a Santa Iria e vomitando pelo esforço e má-nutrição.
Passei pela famosa catedral sem me aperceber que o estava a fazer, talvez porque aqui as dores foram mais que muitas, especialmente nas descidas onde eu queria ganhar tempo que sabia ir ser muito necessário para a subida final. Não conseguia. Doía muito e começou a dúvida: "Não devias ter vindo. Isto não vai dar certo. Vais magoar-te a sério".
O medo e receio era muito, de tal forma que de tanto cuidado, comecei a defender o joelho e dei um valente trambolhão, daqueles que se fosse 5 metros à frente teria caído por uma ravina (foi filmado por um runner).
Mas estava a seguir e aqui a chave foi sem dúvida a maravilhosa vista que permitiu relaxar e usufruir da maravilha que são as nossas terras. Sublime.
No meio de tudo, lá cheguei à subida final rumo ao tal posto e barreira chave da prova: a Barrosa.
Aqui tomei uma decisão:
"Tenho uma hora e meio para fazer +/- 3 kms. Sei qual é o ritmo que necessito, mas vou fazer ao ritmo que posso. Se der deu, se não der que se lixe".
E segui, parei, segui, sentei-me, levantei-me, parei, segui, desesperei ao olhar para cima e ver o que faltava quando já estava sem pinga de força, comecei a sentir náuseas, lembrei-me do Ricardo Andrade a sonhar com Coca-cola e sonhei como ele. E depois disse:
"Uma coisa é certa, aqui é que não vais poder ficar, por isto é seguir e amarrar esta. Segue e lá em cima tomas a decisão se dá para seguir ou não".
E foi assim que cheguei ao cimo da tortura, e posso dizer com muito orgulho e emoção (que a sinto agora que estou a escrever), com 10 minutos antes da barreira horária.
Tinha acabado de ultrapassar o meu maior fantasma.
Aqui o Álvaro Carvalho foi fundamental.
Perguntou, acompanhou, brincou, gozou, apoiou e retirou-me lastro de cima. Esteve ali.
Foi ele e a bendita Coca-Cola, Bolo Lêvedo, Marmelada e Sal Grosso.
Após largos minutos a recuperar e ver todos passarem, o corpo estabilizou e a mente voltou a mandar.
Passaram todos, só faltando o Coxo da Aldeia, que não passou, porque o Coxo da Aldeia era... EU!!!
Neste momento a decisão foi tomada.
É para ir até aos 33 kms do EPIC, porque pensava que era este o próximo posto de abastecimento.
Tocou o alarme. Fui o último a sair do posto de abastecimento, levando a incumbência de ser o Vassoura da Prova a partir dali. Ficaram com o meu número e segue por aí abaixo.
Novo desafio para o corpo e pensamento.
22 km de descida agressiva!!!
Logo aos 1ºs metros, dores como já esperava.
Só que estava preparado e levou 2 comprimidos, tal como no EPIC.
E liguei o chip: "Vai doer e tu vais seguir".
Apanhei um filho e um pai, a quem dei um comprimido, porque estava mal do joelho e acompanhei o filho que disse ao pai: "Vou rolar um pouco".
Cerrei os dentes, segui por ali abaixo, deixei-os para trás, alcancei o Sr. de 60 anos que tinha cólicas e que não devia ter saído do 2º posto, mas foi teimoso. Perguntei se estava bem e ele disse que sim, que não podia correr, mas ia andando.
Segui. As dores não paravam, mas aí falei alto com o meu próprio corpo e fizemos um acordo:
"Tu vais aguentar-me e vais levar-nos até ao fim e eu amanhã cuido de ti".
Ele aceitou, mas penso que estava com dúvidas ou queria testar-me porque dava uma picadas lacinantes.
Sempre que elas vinham, eu gritava-lhe "NÃO É ESTE O NOSSO ACORDO!!! VAMOS ATÉ AO FIM". E cerrava os dentes.
Avistei um casal que tinha saído do posto 2 com dificuldades, mas muito à frente de mim e ganhei ânimo, que perdi imediatamente quando me deu uma cãibra terrível num músculo que nem sei que existia.
Pensei que era o fim...
Metei a garrafinha do ShotGun à boca e 3 rodelas de banana desidratada. Sentei-me e suspirei.
Mas comecei a relaxar. Levantei-me. Comecei a caminhar. Estava a dar.
Comecei a mentalizar-me que só tinha que fazer mais 10 km até aos 33 e fui por lá abaixo.
Voltei a conseguir descer como já não conseguia há muito e fui ganhando confiança.
Avistei o tal casal e mais 1 que tinham passado por mim com grande distância nos 23 kms. E isto foi uma motivação.
Comecei a tentar apanhá-los e depois a tentar seguir à sua frente.
Os 33 não chegavam. Para mim e para eles. Que raio se passava? Afinal eram 35 e quando lá cheguei a alegria já dominava tudo, porque tinha batido o meu recorde. Tinha ultrapassado o EPIC e estava 1 hora à frente do tempo limite.
A partir daqui eu já tinha a certeza que ia chegar ao fim. Nem que fosse a rastejar.
Só tinha agora que chegar ao posto do CR7. O da Herbalife. E ainda por cima entre amigos.
Mal cheguei disse-lhe: "Tu tens a noção que ao chegar até aqui, acabei de fazer uma Maratona?".
Ao que ele respondeu "É incrível o que fizeste até hoje, desde que começaste o ano passado em Novembro com os 15."
Estava eu no meio de uma amena cavaqueira, a beber a bebida do Ronaldo e eis que...
... toca o telemóvel!!!
Alexandra Moreira a saber por onde raio andava. Até parecia aquelas mães que não sabem dos filhos - LOL!!! Depois de responder "Estás a interromper a minha prova e a minha conversa com o Miguel", desliguei e disse "Bem tenho que ir que a patroa está a chamar".
Aqui o último casal com quem andava a discutir kms, tomou uma má decisão. Decidiu não parar no posto e seguiu caminho. Quando o fizeram pensei comigo: "Erro. E vão pagá-lo daqui a pouco".
Depois de 10-15 minutos de recuperação, arranquei em corrida e confiante.
Estava radiante, mas não podia deitar tudo a perder, pois é nestes momentos em que uma pequena desconcentração pode deitar tudo a perder.
Como tinha previsto, aproximei-me do casal. Acompanhei-os e fomos falando um pouco, mas percebi que o ritmo deles já não era o meu e eu neste ponto tinha definido os 2 últimos objectivos do dia:
- Chegar antes das 16:30 e assim fazer 8 horas de corrida;
- Cortar a meta com um salto.
Nesta já não estava em mim. Estava nas nuvens. E é precisamente nestes momentos que podemos cair. Ao dar um passo mais largo, apareceu uma cãibra não sei bem saída donde, mas disse a mim mesmo: "Agora já não há dor ou cãibra que me pare".
500 metros, curva e entrada na reta final, onde fui passando pelo meio de outros runners que me saudavam e incentivavam dizendo "deixem passar mais um runner", enquanto batiam palmas.
100 metros e lá está ela. A minha dama e a meta.
Aí olho e vejo todos os #letsrunazores à espera. Bruno Pacheco vem ao meu encontro para felicitar e entregar a bandeira. Miguel corre ao meu lado.
Chega a meta e dou o salto!!!
Finisher.
Eu e as Adidas.
Que mais podia querer?
Um beijo da minha amada.
Felicidade completa...
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